Foi por sugestão mesmo do sr. José, de Sabugal, que incluímos no nosso roteiro a cidade de Sortelha. Cidade é modo de dizer, na verdade, Sortelha é uma aldeia, que foi tombada pelo patrimônio histórico e hoje abriga apenas os mais antigos moradores do vilarejo, uma população de 20 ou 30 pessoas, se muito. No caminho, cortamos estradas bem parecidas com as nossas, estreitas e curvas. Demos sorte, pois foi nessa travessia que conseguimos ver os pastores vigiando seus rebanhos. Vimos de dentro do carro e não conseguimos um acostamento que pudéssemos estacionar para bater um dedo de prosa com os rapazes. Foi pena.
Seguimos o nosso caminho e em alguns trechos nos lembramos de Ouro Preto. Não pelas construções, mas pela paisagem, de morros mais baixos, mas de pedras encrustadas nas encostas, como as que temos por aqui.
O portal de Sortelha, que se abriu para nós e nos apresentou uma cidade misteriosa e encantadora.
A chegada a Sortelha foi emocionante. Atravessamos um portal de pedras enorme e demos de cara com uma cidade que parece um presepinho, instalada ao pé de um morro, com as ruas costurando as encostas e rodeadas de casas de granito, com janelas e portas pintadas de vinho e todas razoavelmente bem conservadas. Mas desabitadas, como já expliquei. Isso dá à vila um ar de cidade fantasma, que desagradou bastante o meu caçula. "Não vejo graça numa cidade abandonada, sem gente, sem movimento, sem vida" - lamentou ele. Mais tarde ficaria mais conformado, mas sem mudar de opinião.
Estacionamos o carro na praça principal. Assim que descemos, encontramos duas portuguesinhas maravilhosas: dona Encarnação e dona Felismina. Elas estavam sentadinhas, esquentando o sol e trançando cestos de brecejo, uma fibra típica da região. Não resisti e puxei conversa. Como boas portuguesas, reclamaram da vida, das restrições que passam desde que a vila foi tombada e das dificuldades que o país enfrenta desde sempre. Hoje, só podem mesmo trançar cestos. Não podem mais plantar uma horta, cultivar oliveiras, criar pequenos animais, fabricar queijo, nada, nada, e nem empreender novas atividades econômicas.
Falando sobre o dia a dia na pequena vila, dona Felismina me explicou que é tudo muito simples. A cozinha é "conforme". "Comemos carne de frango, de peru, uma verdura ou outra e sopa. É conforme" -, resumiu ela. As duas amigas também me fizeram muitas perguntas. Ficaram maravilhadas com o fato de eu trabalhar fora de casa. "Existe emprego para você no Brasil? Isso é muito bom!" - comentou dona Encarnação, admirada de tudo. Mal sabe ela. No final da conversa, concordamos que éramos irmãs e, por isso, voltaríamos a nos ver, o mais breve possível. Eu acredito nisso.
Em Sortelha, visitamos mais um castelo, este datado do século 13. Só os meninos tiveram coragem de subir na torre, de onde tiveram uma vista deslumbrante da região. Meu caçula curtiu essa aventura. Foi adrenalina pura se equilibrar em pequenos degraus até chegar do outro lado da construção e avistar os morros do entorno. Eu e Cláudio nos contentamos com as migalhas, não menos deslumbrantes, do andar de baixo. Andamos um bom tempo pela cidadela e fomos nos deixando ficar até o sol começar a se por. Só aí retomamos a estrada, para não chegarmos em Castelo Branco muito tarde, pois ainda teríamos de encontrar um lugar para nos hospedarmos.
Vou concordar. Sortelha me pareceu uma cidade triste, mas quem disse que a história é alegria pura e crua? Nada. A história é assim mesmo. Tudo passa e passando deixa para trás lembranças de lutas, de celebrações, de vitórias, de derrotas, de conquistas, de perdas, de começos e de recomeços. E é assim que tentei ver Sortelha. O meu caçula não quis esquentar a cabeça com isso. Eu esquentei só um pouco e concordei rapidamente que minhas amigas são lembranças dessas travessias e o que vimos naquele dia, foi o início de um recomeço. Se isso não é verdade, pelo menos me afastou da tristeza.
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