segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Foi você que pediu? - 15/10

Acho que não é preciso esclarecer por que queríamos tanto conhecer Vila Nova de Gaia, mas vou explicar assim mesmo. Quem quiser pode pular essa parte. Gaia é o centro de comercialização do famoso vinho do Porto, produzido a partir de uvas provenientes da região do Douro, ao norte de Portugal. O que torna o vinho do Porto diferente dos demais não é a só a qualidade da uva, mas o fato de a sua fermentação não ser completa. Ainda na sua fase inicial, ela é interrompida com a adição de um brandy neutro. Esse processo é que torna o vinho do Porto naturalmente mais doce sem que ele perca o seu teor de álcool, mais forte que os restantes dos vinhos.

Gaia abriga exatamente os galpões onde esse processo é desenvolvido. O vinho, produzido nas regiões às margens do Douro, é transportado para esses armazéns onde é misturado e envelhecido. A Cave Porto Ferreira é uma das mais respeitadas entre os entendidos e, para nós, desentendidos, a única. Pelo menos na minha casa, Porto Ferreira e vinho do Porto sempre foram sinônimos. Por isso, foi muito emocionante conhecer o lugar onde esse vinho é preparado. Sem exagero, foi uma experiência até meio onírica, não sei se por conta da luminosidade, pois o interior da cave é mantido a média luz, ou por me sentir o tempo todo envolvida por aquele aroma de carvalho misturado ao vinho. Muito estranho. Os meninos não tiveram essa mesma sensação, mas ficaram concentrados. Foram motivados pela curiosidade e pela novidade do ambiente, ao mesmo tempo rústico e extremamente sofisticado. Adicione-se ainda algumas lendas familiares. Na casa de D. Rosa, o vinho do Porto era tratado como bebida sagrada.


Voltando a Ferreira, ela foi criada em 1751 por uma família de viticultores do Douro, mas ganhou fama mesmo a partir dos anos 1800, sob a liderança de D. Antônia Adelaide Ferreira. Dizem que era uma mulher carismática e um touro para trabalhar. O armazém que visitamos foi adquirido por ela, em 1876. A partir daí a distribuição do vinho do Porto Ferreira ganhou o mundo. Li isso num dos banners do salão principal, onde foi instalado um pequeno museu contando a história da empresa. Saberia um pouco mais, se Bernadete, nossa guia, não tivesse chegado e nos convocado para iniciar o tour.


Tentei anotar tudo que ela falava, mas ando um pouco enferrujada e registrei apenas algumas palavras soltas, expressões e alguns números que, reunidos agora, não fazem muito sentido. Mas ninguém está muito preocupado com isso, né? Basta dizer que existem três tipos de vinho do Porto: branco, ruby e tawny. São envelhecidos em grandes balseiros de madeira de carvalho, de origem francesa, que duram entre 60 e 70 anos. Os vinhos se diferenciam tanto pelo tipo de uva, quanto pelo tempo em que ficam armazenados nesses balseiros, alguns com capacidade para até 72 mil 800 litros. Os tawny, por exemplo, envelhecem apenas dois ou três anos nos grandes balseiros, passando depois para as pipas de 550 litros, que permitem um contato maior do vinho com a madeira e, portanto, com o ar. É isso que influencia a sua cor, mais puxada para âmbar dourado. Segundo Bernadete, os tawny são vinhos muito elegantes. O que ela não nos contou, mas li no Guia da FSP, é que o vinho do Porto foi inventado pelos ingleses, aqueles loucos. Foram eles que primeiro misturaram o vinho do Douro com conhaque, para evitar que ele se estragasse no trajeto das vinícolas até o Porto, onde eram comercializados. E deu certo. Os portugueses, claro, mais sensatos, aperfeiçoaram a fórmula, mas até hoje são os ingleses que dominam o comércio do vinho do Porto


Mas os mais caros e sofisticados são os das categorias especiais, produzidos com uvas de melhor qualidade ou de uma safra excepcionalmente boa. Bernadete garantiu-nos que isso acontece em duas ou três colheitas a cada dez anos. Uma raridade mesmo. Entre os especiais, estão os Vintage e os Late Bottled Vintage, ou LBV (não o confundam com a Legião da Boa Vontade!). Vintage é a classificação mais alta que um vinho pode alcançar. Além de ser obtido da colheita de um só ano, essa tem de ser daquelas, excepcionalmente boa. Ele é envelhecido em tonéis de carvalho por no máximo dois anos e depois é engarrafado, onde o processo continua por mais três ou quatro anos. Bernadete nos mostrou uma garrafa de Vintage de 1815 e outra de 1863, as mais antigas da cave! Custam a bobagem de dois mil e quinhentos euros. Eu não arriscaria.


Os LBV, por sua vez, também exigem uvas de qualidade especial, mas envelhecem de quatro a seis anos dentro dos balseiros e, depois de engarrafados, evoluem muito pouco. Vimos ainda uma prateleira com garrafas da aguardente Ferreirinha e outras preciosidades da Casa, como o Dona Antônia, o Quintas do Porto e o Duque de Bragança, vinhos especiais, mas já não me lembro se reserva, vintage ou LBV. No final fomos levados à sala de degustação, onde experimentamos um cálice de vinho do Porto branco, bem gelado, delicioso!; e outra de um twany de quatro anos, também saboroso. Faltaram os petiscos, mas como já estava na nossa hora, nem reclamamos. Saímos de Gaia por volta das 16 horas e pretendíamos chegar a Guarda antes de escurecer. Mas já sabíamos que esse plano era improvável.

A sala de degustação e os rapazes, ansiosos, a espera da nossa cota.
Saímos sóbrios, porém tontos de tanta informação. Ao lado, o barco da Ferreira.
Outra vista do Porto e um campo de futebol do famoso time do Candal. Vai saber....

domingo, 22 de fevereiro de 2009

A perdição - 15/10

O Porto visto do lado de lá do Rio Douro

Não foi difícil encontrar a cidade do Porto. Como já disse, as estradas são bem sinalizadas. Mesmo um ignorante topográfico não consegue se perder nesses caminhos. Ralamos mesmo foi para entrar na cidade. Perdemos a primeira chance, mas nem nos desesperamos. Ficamos tranqüilos, pois haveria de ter outras entradas. E, de fato, poucos metros à frente encontramos nova placa sinalizando o Centro de Porto. Entramos e caímos numa avenida e, dela, não sei como, voltamos para a estrada. Entramos novamente e saímos outra vez. Por fim, conseguimos adentrar a cidade, mas resolvemos, sabiamente, estacionar o carro na primeira vaga que encontramos, na Rua do Monte dos Burgos com Senhora do Porto e pegar um táxi.

A verdade é que não pretendíamos demorar muito no Porto. O nosso objetivo era Vila Nova de Gaia e, depois, Guarda, onde planejávamos pernoitar. Assim, interpretamos as dificuldades que tivemos para entrar na cidade como um sinal de que não deveríamos mesmo gastar muito tempo por ali. O táxi nos ajudou a cumprir essa decisão. Fomos direto à Livraria Lello, que fica na Rua das Carmelitas, próximo à Torre dos Cléricos. Minha irmã havia me advertido de que não deveríamos passar pelo Porto sem ao menos dar uma entradinha na Livraria. E não passou pela nossa cabeça desobedecê-la. Fomos, entramos e ficamos por lá um bom tempo. Mais que divina, como Enrique Vila-Matas a definiu, a Lello é um sonho, com um estoque de mais de 120 mil títulos diferentes, com histórias contadas nas mais diversas línguas. É uma perdição. E mais, a Lello tem um livreiro.

Vocês devem se lembrar de que estava procurando um livro para trazer para o meu pai; que fiz várias tentativas em Lisboa e que, em algumas das livrarias que entrei, os jovens vendedores nem sabiam do que eu estava falando. Mas na Lello foi diferente. Já na entrada, expus o meu problema para o senhor que veio nos receber. Ele me ouviu atentamente e comentou:

- A Ceia dos Cardeais, de Júlio Dantas. Anhan. A última edição está esgotada, mas acho que ainda tenho um exemplar aqui.

E sumiu para dentro da livraria. Nós acabamos de entrar e, no segundo passo, paramos e perdemos o fôlego. O interior do prédio, projetado por Xavier Esteves e inaugurado em 1906, é estonteante. Toda a decoração das paredes e do teto são de gesso imitando madeira e no alto do teto, um vitral deixa escapar uma luz morna que torna o ambiente ainda mais aconchegante. A escadaria, que leva ao segundo andar, uma das primeiras construções de cimento armado da cidade, é fantástica. Toda coberta por um tapete vermelho, se enrosca no espaço e, no segundo lance, se abre em duas, conduzindo os visitantes para as galerias do andar superior. Não sabia se olhava os livros ou se ficava só admirando o prédio. Um dilema.





Depois de um tempo, nos acostumamos e fomos olhar os livros. Queríamos vários, mas não cedemos à tentação. Pinçamos apenas um ou dois para cada um. Escolhi um de Florbela Espanca e outro de vinhos para meu irmão. Os rapazes encontraram Uma pequena história de Portugal, um de culinária portuguesa e outro de vinhos. De brinde, me dei uma edição portuguesa de um exemplar de Mia Couto. Todos concordaram. E já estávamos quase desistindo de esperar a volta do nosso livreiro, quando ele nos encontrou no pé da escada. Vinha eufórico, com um livro na mão, agitando-o no ar como se fosse uma bandeira.

- Não disse, não disse. É o último, mas é um!

E nos entregou o exemplar de uma edição especial da Ceia dos Cardeais, exatamente a que procurávamos. Foi um sucesso. Conhecemos uma das três livrarias mais bonitas do mundo, assim classificada pelo periódico inglês The Guardian, e a única projetada para tal e, de sobra, tivemos a sorte de conhecer um livreiro digno do título. Saímos da Lello satisfeitos, mas, para variar, famintos. Demos uma volta rápida pelas redondezas, compramos algumas lembranças, como a “camisola” do Porto e outras besteirinhas e fomos procurar algum lugar para petiscar, antes de sairmos para Vila Nova do Gaia.

Aportamos na Confeitaria dos Cléricos, onde fizemos um lanche rápido. Mas, antes disso, fizemos uma vistoria em torno da Torre dos Cléricos, ponto de encontro dos jovens da cidade. É uma construção do início dos anos 1700, com seis andares e 76 metros de altura. Durante um bom tempo foi considerado o prédio mais alto do Porto, com uma escadaria em espiral de 225 degraus. Claro que não entramos para conferir, mas li isso em algum lugar. A torre, segundo os entendidos, é em estilo barroco e integra o conjunto dos Cléricos, do qual fazem parte ainda uma igreja e uma enfermaria. O projeto original de Niccolò Nasoni previa a construção de duas torres, mas deve ter faltado ouro no Brasil, pois a obra ficou só na primeira.
Registrei outros prédios no entorno da Torre, mas não saberia identificá-los agora. Aliás, se não terminar logo esses relatos, vou ter muito pouca coisa para contar daqui pra frente, pois já estou me esquecendo de muitas das histórias interessantes que ouvi por lá e de algumas curiosidades que observei ao longo do caminho.

Por exempo: a medida que nos afastávamos de Lisboa, o bacalhau deixava de ser a grande atração do cardápio para ser substituído por outras carnes, especialmente a de porco. Vejam abaixo as novas opções e seus respectivos preços. Isto é, se conseguirem ler.




Vimos ainda uma loja de sapatos, com algumas botas interessantes. Mas o que nos chamou atenção mesmo foi o nome da loja: Pedantes!. E mais uma igreja, mas os meninos se recusaram a visitá-la. Tudo em nome do equilíbrio. Aceitei.

Então, resumindo: já abastecidos, tomamos o caminho de volta a Rua da Senhora do Porto para resgatar o carro e caçar o rumo de Vila Nova do Gaia. Outra vez, apesar da explicação bem precisa do motorista do táxi, tivemos dificuldade para entrar em Gaia. Erramos o caminho duas vezes, mas, quando entramos, caímos direto na Avenida Ramos Pinto e bem em frente a Caves Porto Ferreira, a beira do Rio Douro. Essa visita merece um capítulo especial.