sábado, 6 de dezembro de 2008

Dia de chuva - 12/10

Se estívessemos em casa, provavelmente, dormiríamos até esgotar os sonhos. Mas, longe de casa, com uma programação apertada e sem tempo a perder, tomamos coragem e pulamos da cama quase cedo. Lá fora, caia uma chuvinha fiiininha, fininha e nós olhávamos a rua, olhávamos a mesa farta de café e olhávamos a rua molhada e o pão quentinho e não resolvíamos. Na falta de uma decisão, incluímos um terceiro para nos ajudar. E o gerente do hotel, muito eficiente, imediatamente nos sugeriu visitar o Oceanário, no Parque das Nações. Imperdível!, ele nos garantiu e, com duas vantagens: compraríamos os ingressos ali mesmo, no balcão e não precisaríamos gastar com táxi nem ficar fazendo baldeação de ônibus. Iríamos de metro, com duas mudanças de linha, mas sem precisar comprar novos tickets. Moleza.

O Parque das Nações foi criado para abrigar a Exposição Mundial de 1998, cujo tema foi Os oceanos: um património para o futuro. A Exposição Mundial ou Expo é um evento de grande porte, promovido pelo Bureau International des Expositions (BIE), para tratar de temas que afetam a experiência humana no planeta. Estou deduzindo que o objetivo dessa feira não é vender nenhum produto, mas de mobilizar as sociedades em torno de grandes idéias, que estão exigindo maior reflexão. A primeira Expo foi em 1851, em Londres, e tratou dos Trabalhos da Indústria de Todas as Nações. Um tema, para a época, bastante oportuno.

Hoje, o Parque das Nações abriga diversos pavilhões que permanecem abertos ao público, espaços para manifestações culturais, um big terminal de transportes integrados, um shopping, hotéis e outros serviços, além, claro, do Oceanário, o maior da Europa e o segundo do mundo. O tanque central é a maior atração do Oceanário de Lisboa. Tem uma dimensão gigantesca: corresponde a altura de um prédio de três andares e a extensão de meio quarteirão. Não conseguíamos sair de frente do vidro, hipnotizados com o movimento dos peixes de todas as espécies que ficam circulando no interior daquele tanque.

Vimos até os dentes de tubarões que nos olham ameaçadoramente sem nada poder nos fazer. Vimos barracudas, raias, xaréus, carapaus e mais uma infinidade de peixinhos que não guardei os nomes. E vi, no alto das paredes dos corredores, trechos da poesia de Sophia de Mello Bryner Andrese, uma das mais importantes poetisas portuguesas do século XX. Ela foi a primeira mulher portuguesa a receber o mais importante galardão literário da língua portuguesa, o Prêmio Camões, em 1999. Anotei duas frases:

Eu, quando morrer, voltarei para buscar os tempos que não vivi no mar.

Mar, metade da minha alma é feita de maresia.



E muito mais que os tubarões, que fascinam o público, me encantei com o peixe-lua, um monstrengo bizarro, de quase 3 metros de comprimento, mas sem cauda, sem nada que pudesse nos lembrar um peixe. Na verdade, se vocês observarem a foto, parece um desenho inacabado de um peixe. Uma cabeça de peixe. Mas apesar de assustador, é um peixe dócil e preguiçoso. Li na sua ficha, que seu esporte predileto é deitar-se na superfície da água e deixar-se levar pela corrente. Muito curioso. Na foto, ele aparece ao lado de uma raia, batendo suas longas asas aquáticas e flanando pelo aquário.


Para não perdermos o costume e atendendo aos pedidos suplicantes do nosso caçula, saímos de lá e fomos almoçar num restaurante japonês: Orizame. Adivinhem quem nos recebeu na porta? Rita, uma brasileira. Estamos por toda parte de Portugal, é impressionante. A cozinha japonesa, com sotaque português, é bem diferente daquela com sotaque brasileiro. É bem mais light, mas igualmente visual.
Antes de pegarmos o ônibus para Belém, que fica na outra ponta da cidade, ainda passamos no shopping para comprar uma máquina fotográfica, pois a minha estava dando pau. Foi bom, mas foi deprimente. Os shoppings tornam todos os lugares iguais. Nunca mais faço isso. Prefiro as folhas amarelas do outono, que são diferentes em cada lugar que passo.

No caminho para Belém, caiu uma chuva torrencial sobre a cidade. Na foto, ela estava apenas começando e Cláudio e Dani posaram ao estilo Chaplin. Dentro do ônibus, um velho esconjurava a crise econômica. Gritava para todos ouvirem que já tinha sido rico, que já tinha tido emprego, que já tinha tido família, mas a inoperância do governo, a ganância dos investidores e a maldade dos patrões tiraram tudo dele. Uma vítima, coitado. Enfim, acho que desabafou, pois depois se calou e ficou quieto o resto da viagem. E nós, igualmente mudos, tentando imaginar como desceríamos daquele ônibus em Belém, debaixo daquela tempestade.

A sorte é que Belém fica bem distante mesmo do Parque das Nações e, quando chegamos lá, a chuva já tinha passado. A chuva e as horas. Já era final de tarde em Lisboa e as grandes atrações de Belém estavam fechando as portas. Só pudemos apreciar a fachada do Mosteiro dos Jerônimos e a vista de longe da Torre de Belém, pois não nos animamos a fazer mais uma caminhada, de mais de quatro quarteirões, pra nada. E, depois, eu tenho uma teoria: devemos sempre deixar alguma coisa por fazer, pelos lugares onde passamos e gostamos, para termos bons motivos para voltar. As fotos abaixo mostram o entorno do Mosteiro dos Jerônimos.


E só a fachada do Mosteiro já compensa a viagem. O Mosteiro é um dos exemplares mais significativos da arquitetura manuelina. Foi encomenado por Manuel I por volta de 1501, após o retorno de Vasco da Gama das Índias, e concluído quase um século depois. Sua construção, como ensina o Guia da FSP, foi financiada em grande parte com os lucros do comércio de especiarias e com os impostos sobre o ouro. A construção fica em cima dos bancos de areia do Rio Tejo e, por isso, sua estrutura não sofreu grandes danos com o terremoto de 1755. Vejam nas fotos abaixo alguns detalhes do prédio e confiram se não vale a pena penar dentro de um buzão por alguns minutos para registrar essas maravilhas.


Uma panorâmica do Mosteiro, vista dos jardins que
rodeiam o prédio, aliás, maravilhosos também. Passaria o dia ali, se me deixassem.
Outra atração de Belém é o Padrão dos Descobrimentos, construído em 1960, a pedido de Salazar, para celebrar o quinto centenário da morte de Henrique, o Navegador. O monumento, de 52 metros de altura, tem a forma estilizada de uma caravela, com o brasão de Portugal nas laterais e a espada da Casa Real de Avis acima da entrada. O personagem que aparece na proa, com uma caravela nas mãos, é mesmo Henrique, o Navegador. Atrás, em duas fileiras, uma de cada lado do monumento, vêm os demais heróis portugueses ligados à Era do Descobrimento, inclusive Pedro Álvares Cabral, o quarto da fila do lado esquerdo.











Este é o lado direito do Padrão. Na outra foto, me parece, é um globo estilizado, mas não tenho certeza.

O melhor momento do passeio, no entanto, foi a fila para comprarmos o famoso e original pastelzinho de Belém. Vale a pena todo o esforço. É muito melhor que as edições brasileiras, não é tão doce e nem um pouco enjoativo. E é melhor também que as versões portuguesas do Rossio. O recheio parece um mingau de Maizena com gema de ovo, mas é muito mais saboroso. Enfrentamos a fila de bom grado e compramos duas embalagens de 12, para ninguém reclamar.

A volta de Belém foi outra novela. Achei que pegaríamos um ônibus executivo que vi circulando nas imediações do ponto, mas acabamos entrando foi num elétrico lotado e, o pior, sem nenhum trocado para pagar a passagem. Como a cobrança é eletrônica, demos o cano. Fazer o quê? Depois ressarcimos o sistema de transporte português, pois compramos tickets do metro para voltar ao hotel e a viagem foi cancelada, porque as estações estavam inundadas. Ainda tentamos reaver nossos eurozinhos, mas também não apareceu ninguém para nos devolve-los. Então, no final das contas, ficou elas por elas.

Saimos desolados da Estação do Paço do Terreiro, mas com a consciência tranqüila e a surpresa de uma noite belíssima, com um luão de todo tamanho iluminando a cidade. Voltamos a pé para hotel. Chegamos arrastando, com fome e loucos de sono. Apagamos, outra vez.