sábado, 6 de dezembro de 2008

Dia de chuva - 12/10

Se estívessemos em casa, provavelmente, dormiríamos até esgotar os sonhos. Mas, longe de casa, com uma programação apertada e sem tempo a perder, tomamos coragem e pulamos da cama quase cedo. Lá fora, caia uma chuvinha fiiininha, fininha e nós olhávamos a rua, olhávamos a mesa farta de café e olhávamos a rua molhada e o pão quentinho e não resolvíamos. Na falta de uma decisão, incluímos um terceiro para nos ajudar. E o gerente do hotel, muito eficiente, imediatamente nos sugeriu visitar o Oceanário, no Parque das Nações. Imperdível!, ele nos garantiu e, com duas vantagens: compraríamos os ingressos ali mesmo, no balcão e não precisaríamos gastar com táxi nem ficar fazendo baldeação de ônibus. Iríamos de metro, com duas mudanças de linha, mas sem precisar comprar novos tickets. Moleza.

O Parque das Nações foi criado para abrigar a Exposição Mundial de 1998, cujo tema foi Os oceanos: um património para o futuro. A Exposição Mundial ou Expo é um evento de grande porte, promovido pelo Bureau International des Expositions (BIE), para tratar de temas que afetam a experiência humana no planeta. Estou deduzindo que o objetivo dessa feira não é vender nenhum produto, mas de mobilizar as sociedades em torno de grandes idéias, que estão exigindo maior reflexão. A primeira Expo foi em 1851, em Londres, e tratou dos Trabalhos da Indústria de Todas as Nações. Um tema, para a época, bastante oportuno.

Hoje, o Parque das Nações abriga diversos pavilhões que permanecem abertos ao público, espaços para manifestações culturais, um big terminal de transportes integrados, um shopping, hotéis e outros serviços, além, claro, do Oceanário, o maior da Europa e o segundo do mundo. O tanque central é a maior atração do Oceanário de Lisboa. Tem uma dimensão gigantesca: corresponde a altura de um prédio de três andares e a extensão de meio quarteirão. Não conseguíamos sair de frente do vidro, hipnotizados com o movimento dos peixes de todas as espécies que ficam circulando no interior daquele tanque.

Vimos até os dentes de tubarões que nos olham ameaçadoramente sem nada poder nos fazer. Vimos barracudas, raias, xaréus, carapaus e mais uma infinidade de peixinhos que não guardei os nomes. E vi, no alto das paredes dos corredores, trechos da poesia de Sophia de Mello Bryner Andrese, uma das mais importantes poetisas portuguesas do século XX. Ela foi a primeira mulher portuguesa a receber o mais importante galardão literário da língua portuguesa, o Prêmio Camões, em 1999. Anotei duas frases:

Eu, quando morrer, voltarei para buscar os tempos que não vivi no mar.

Mar, metade da minha alma é feita de maresia.



E muito mais que os tubarões, que fascinam o público, me encantei com o peixe-lua, um monstrengo bizarro, de quase 3 metros de comprimento, mas sem cauda, sem nada que pudesse nos lembrar um peixe. Na verdade, se vocês observarem a foto, parece um desenho inacabado de um peixe. Uma cabeça de peixe. Mas apesar de assustador, é um peixe dócil e preguiçoso. Li na sua ficha, que seu esporte predileto é deitar-se na superfície da água e deixar-se levar pela corrente. Muito curioso. Na foto, ele aparece ao lado de uma raia, batendo suas longas asas aquáticas e flanando pelo aquário.


Para não perdermos o costume e atendendo aos pedidos suplicantes do nosso caçula, saímos de lá e fomos almoçar num restaurante japonês: Orizame. Adivinhem quem nos recebeu na porta? Rita, uma brasileira. Estamos por toda parte de Portugal, é impressionante. A cozinha japonesa, com sotaque português, é bem diferente daquela com sotaque brasileiro. É bem mais light, mas igualmente visual.
Antes de pegarmos o ônibus para Belém, que fica na outra ponta da cidade, ainda passamos no shopping para comprar uma máquina fotográfica, pois a minha estava dando pau. Foi bom, mas foi deprimente. Os shoppings tornam todos os lugares iguais. Nunca mais faço isso. Prefiro as folhas amarelas do outono, que são diferentes em cada lugar que passo.

No caminho para Belém, caiu uma chuva torrencial sobre a cidade. Na foto, ela estava apenas começando e Cláudio e Dani posaram ao estilo Chaplin. Dentro do ônibus, um velho esconjurava a crise econômica. Gritava para todos ouvirem que já tinha sido rico, que já tinha tido emprego, que já tinha tido família, mas a inoperância do governo, a ganância dos investidores e a maldade dos patrões tiraram tudo dele. Uma vítima, coitado. Enfim, acho que desabafou, pois depois se calou e ficou quieto o resto da viagem. E nós, igualmente mudos, tentando imaginar como desceríamos daquele ônibus em Belém, debaixo daquela tempestade.

A sorte é que Belém fica bem distante mesmo do Parque das Nações e, quando chegamos lá, a chuva já tinha passado. A chuva e as horas. Já era final de tarde em Lisboa e as grandes atrações de Belém estavam fechando as portas. Só pudemos apreciar a fachada do Mosteiro dos Jerônimos e a vista de longe da Torre de Belém, pois não nos animamos a fazer mais uma caminhada, de mais de quatro quarteirões, pra nada. E, depois, eu tenho uma teoria: devemos sempre deixar alguma coisa por fazer, pelos lugares onde passamos e gostamos, para termos bons motivos para voltar. As fotos abaixo mostram o entorno do Mosteiro dos Jerônimos.


E só a fachada do Mosteiro já compensa a viagem. O Mosteiro é um dos exemplares mais significativos da arquitetura manuelina. Foi encomenado por Manuel I por volta de 1501, após o retorno de Vasco da Gama das Índias, e concluído quase um século depois. Sua construção, como ensina o Guia da FSP, foi financiada em grande parte com os lucros do comércio de especiarias e com os impostos sobre o ouro. A construção fica em cima dos bancos de areia do Rio Tejo e, por isso, sua estrutura não sofreu grandes danos com o terremoto de 1755. Vejam nas fotos abaixo alguns detalhes do prédio e confiram se não vale a pena penar dentro de um buzão por alguns minutos para registrar essas maravilhas.


Uma panorâmica do Mosteiro, vista dos jardins que
rodeiam o prédio, aliás, maravilhosos também. Passaria o dia ali, se me deixassem.
Outra atração de Belém é o Padrão dos Descobrimentos, construído em 1960, a pedido de Salazar, para celebrar o quinto centenário da morte de Henrique, o Navegador. O monumento, de 52 metros de altura, tem a forma estilizada de uma caravela, com o brasão de Portugal nas laterais e a espada da Casa Real de Avis acima da entrada. O personagem que aparece na proa, com uma caravela nas mãos, é mesmo Henrique, o Navegador. Atrás, em duas fileiras, uma de cada lado do monumento, vêm os demais heróis portugueses ligados à Era do Descobrimento, inclusive Pedro Álvares Cabral, o quarto da fila do lado esquerdo.











Este é o lado direito do Padrão. Na outra foto, me parece, é um globo estilizado, mas não tenho certeza.

O melhor momento do passeio, no entanto, foi a fila para comprarmos o famoso e original pastelzinho de Belém. Vale a pena todo o esforço. É muito melhor que as edições brasileiras, não é tão doce e nem um pouco enjoativo. E é melhor também que as versões portuguesas do Rossio. O recheio parece um mingau de Maizena com gema de ovo, mas é muito mais saboroso. Enfrentamos a fila de bom grado e compramos duas embalagens de 12, para ninguém reclamar.

A volta de Belém foi outra novela. Achei que pegaríamos um ônibus executivo que vi circulando nas imediações do ponto, mas acabamos entrando foi num elétrico lotado e, o pior, sem nenhum trocado para pagar a passagem. Como a cobrança é eletrônica, demos o cano. Fazer o quê? Depois ressarcimos o sistema de transporte português, pois compramos tickets do metro para voltar ao hotel e a viagem foi cancelada, porque as estações estavam inundadas. Ainda tentamos reaver nossos eurozinhos, mas também não apareceu ninguém para nos devolve-los. Então, no final das contas, ficou elas por elas.

Saimos desolados da Estação do Paço do Terreiro, mas com a consciência tranqüila e a surpresa de uma noite belíssima, com um luão de todo tamanho iluminando a cidade. Voltamos a pé para hotel. Chegamos arrastando, com fome e loucos de sono. Apagamos, outra vez.

domingo, 30 de novembro de 2008

Histórias de Alfama - 11/10

Demos muita sorte! Por alguns instantes, pensamos em alterar nossos planos e trocar Alfama pelo Estádio da Luz, do glorioso Benfica. Mas como não tinha nenhum jogo programado para o fim de semana, recuperamos a razão rapidamente e tomamos o metro até a estação Terreiro do Paço, que fica na Praça do Comércio, onde pegamos o elétrico 28 para subir até o Castelo de São Jorge. Foi muita sorte, porque, se não fôssemos, perderíamos a vista mais bonita de Lisboa. Mais do que isso, teríamos deixado escapar a oportunidade de conhecer a alma da cidade, que habita ali, em Alfama.

Mas antes de subir, demos mais uma volta na praça e foi quando vi o cartaz abaixo, com ensinamentos nobres sobre a educação de jovens. Gostei muito, mas para não parecer que sou muito radical, fotografei também outra frase, com bandeiras mais liberais, pichada no muro de alguma construção em Alfama. Nada como o equilíbrio! Colecionei outras frases interessantes, mas aos poucos vou mostrando. Registrei ainda o meu sonho de consumo: um Toyota, modelo compacto. Só não pude registrar a minha volta na Coisa. Estavam oferecendo, na Praça do Comércio, um passeio de 15 minutos na Coisa, por uma mixaria de 3 ou 4 euros. Mas não me deixaram pagar esse orangotango. Ainda bem!


Estrategicamente, me puxaram para o lado e me puseram no elétrico que já estava saindo. Saindo e subindo, subindo, porque Alfama é uma ladeira só, toda cortada por ruas estreitas, becos que sobem e descem, fazem curvas e se abrem, de repente, para novos espaços: um terreiro, uma praça, uma passagem ou outro beco. É um labirinto de boas surpresas. Li em algum lugar que esse traçado é influência da cultura mulçumana, que valoriza menos os espaços públicos e as fachadas das construções e mais o interior das casas. E é verdade que os árabes passaram mesmo por lá, só não sei se procede a observação que fazem sobre a cultura muçulmana, mas pelo que vi, tem lógica.





Descemos do elétrico no Miradouro de Santa Luzia e retomamos a nossa jornada até o Castelo de São Jorge a pé mesmo. Do Miradouro já se tem uma vista formidável do bairro e do rio Tejo. Me daria por satisfeita, se não soubesse que o melhor estava por vir. Não sei dizer qual é o nome da igreja que aparece na foto abaixo. Acho que é a de Santo Estêvão, mas não tenho certeza. Agora, o rio que corre lá em baixo, não tenho dúvidas: é o Tejo. O painel azulejado, na outra foto, retrata a Praça do Comércio antes do terremoto. Seguimos. Mais uma vez, me encantei com as fachadas de azulejo e as portinhas dos sobrados. É impressionante, em Alfama e em muitas outras regiões de Portugal, as portas e janelas das casas são muito pequenas mesmos. Para entrar, até eu mesma precisaria me curvar para não bater a testa no marco. Ninguém soube me explicar o porquê disso. Dizer que os portugueses são baixinhos, não justifica. Tem de haver uma explicação melhor. Ainda vou descobrir.









Mas agora vou fazer outra revelação: o Castelo de São Jorge, na verdade, não é um castelo. Ficaram chocados? Pois é, vivendo e aprendendo. O Castelo de São Jorge era, de fato, um forte. Por volta dos séculos X e XI, esteve tomado pelos mouros que dominavam a região. A construção foi ampliada e passou a ocupar uma área de quase 6 mil metros quadrados, rodeada por uma muralha, com dez torres, vigias, fossos e duas praças divididas por um muro e ligadas por um portal. Transformou-se numa fortaleza, abrigando uma verdadeira cidadela, com várias outras construções. Foi em 1147, que Dom Afonso Henrique expulsou os árabes de Portugal e transformou a fortaleza na residência real. A denominação Castelo de São Jorge só foi ser adotada bem mais tarde, a partir de 1371, por determinação do rei João I, em referência ao pacto militar e político assinado entre Portugal e Inglaterra. Vocês não vão acreditar, mas São Jorge, o Santo Guerreiro, que já foi cassado pela Igreja Católica e hoje já nem é mais santo, embora continue sendo venerado por muitos, era adorado nos dois países. Ao dar essa denominação à residência real, João I quis prestar uma homenagem aos devotos de Portugal e da Inglaterra. Esperto, ele.

O Castelo permaneceu como residência real até meados de 1511, quando essa foi transferida para o Terreiro do Paço. Desocupado, passou a abrigar uma prisão e um quartel. Após o terremoto de 1755, a fortaleza ficou em ruínas até 1938, quando Salazar determinou uma reforma geral no prédio, reconstruindo suas muralhas e acrescentando algumas inovações, como jardins e aves exóticas. Mas o melhor do Castelo de São Jorge não foi ninguém que construiu ou reformou. O melhor de tudo que ele tem é a vista que ele nos oferece da cidade. Todos os ângulos são favoráveis e, de lá do alto das torres, Lisboa só pode ficar bem na foto.



Do Castelo, saímos famintos atrás de algum lugar para almoçar, pois já passavam de três horas da tarde ou coisa assim. Demos sorte outra vez e descendo os becos e ruelas, demos de cara com o restaurante A Tasquinha, que fica numa contra esquina de três ou quatro ruas e mais dois becos, bem em frente a uma pracinha, com uma árvore super frondosa e verde. Foi lá que encontramos Liciânia, uma brasileira do Paraná, que nos serviu uma sardinha deliciosa e um jarro de sangria que estava um espanto e geladíssima! Fez tanto sucesso, que nossos eternos adolas nem se lembraram mais do Frize. Aí, claro, pedi a receita e Liciânia prontamente me atendeu: vinho tinto, licor de beirão, canela, açúcar, frutas (maça e laranja) e o pulo do gato: Frize! Mas Liciânia já traduziu para o nosso português: Sprite geladérrimo e menos açúcar! Ainda vou arriscar.

A surpresa do almoço foi a visita dos músicos de Cabo Verde. Sentaram-se num banquinho, no meio da rua, puxaram a viola e animaram a festa. A música é muito alegre e dançante e eles também são, permaneceram com um sorriso farto o espetáculo inteiro. Depois vieram à nossa mesa e renderam conversa. Adoraram saber que vínhamos do Brasil. Falaram do país com muito carinho, nos chamaram de irmãos e ensaiaram um sambinha improvisado. São demais.



Barriga cheia, pé na areia. E lá fomos nós outra vez. Descer Alfama a pé até a Sé. Já era hora de missa e, claro, entramos. Estava, justamente, na hora da homilia. O padre, parece, falava do Brasil, mas era de Portugal mesmo. Pedia aos homens públicos que tivessem consciência e passassem a governar com mais sobriedade. Não me lembro bem as palavras, mas criticava a corrupção e a falta de espírito público dos governantes. Ai ai, somos todos iguais mesmo.
Daí, já era noitinha e voltamos para o hotel. Tomamos um banho, descansamos e caímos na vida novamente. Fomos atrás de um fado. É claro que deveríamos ter feito reservas, mas estávamos de férias, vivendo das emoções, como íamos pensar nisso? Com a ajuda do gerente do hotel, acabamos conseguindo uma mesa no restaurante A Severa. Não é o melhor do fado português, que está mesmo em Alfama, mas é muito bom também. Fica na rua das Gáveas, no Chiado, o paraíso dos barzinhos. São portinhas minúsculas, para variar, e os clientes bebem em pé, no meio da rua. É um movimento doido, mas não tem arruaça nem ameaças. Atravessamos tudo a pé, sem nenhum risco.

No restaurante, adivinhem? Outro brasileiro veio nos socorrer, o Kleber, um cruzeirense doente. E ninguém vai acreditar, mas o danado morava em Belo Horizonte, no Barreiro, e resolveu tentar a sorte justamente em Portugal. Já está em Lisboa há quase 10 anos. Casou-se com uma equatoriana e agora estão trazendo as famílias para se juntarem a eles. O mundo é um ovo! Depois de muita conversa vai, conversa vem, ele nos mostrou o cardápio e já fez as sugestões: um frango à púlcara e um leitão à bairrada para os rapazes. Os dois pratos, nota 10! O frango lembra muito o nosso molho pardo, mas tem os seus segredos. Kleber me contou que o molho, em vez de sangue, leva vinho do Porto tinto. Aprovei.

Não tenho nenhum registro da noite, porque esqueci a máquina no hotel. Foi uma pena, porque o show, mesmo não sendo mil, emociona. O fado é um canto bonito, às vezes, triste, melancólico, mas, principalmente, é um canto que vem do fundo da alma e é por isso que ele nos toca tanto. Aprendi no A Severa que o fado vem do latim Fatum, que significa predição: a vida preconizada pelo oráculo que nada poderá alterar. Parece até um fardo, não um fado. Mas nem sempre esse canto é triste. Uma das músicas cantadas no espetáculo conta a história de alguém que rompe com a sua sina e, contrariando o fado, inventa um novo destino. Ou seja, no mundo de hoje, tudo é possível.

Como é de costume da terra, antes da meia noite estava tudo encerrado: o show e os trabalhos da cozinha. Assim, pedimos a conta e voltamos para o hotel, que já era hora. Apagamos!

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Fundação Calouste - 11/10

A manhã do segundo dia começou um pouco mais tarde. Perdemos a hora, como sempre, e só conseguimos por os pés na rua depois das 11. Que vale que não pretendíamos ir muito longe. O nosso roteiro começava com uma visita à Fundação Calouste Gulbenkian. Tinha pesquisado até a programação cultural do dia, para nos entrosarmos radicalmente com a cidade, mas essa nós perdemos. Ficamos só na visita ao Museu e foi melhor assim, pois passeamos sem pressa e sem compromisso pelos 16 salões que abrigam o acervo permanente da Fundação. Degustamos peça por peça e saciamos toda a nossa fome de arte.

Calouste Sarkis Gulbenkian era um grande financeiro, de origem arménia, que morou em Lisboa e faleceu exatamente no ano em que nasci, 1955. Conforme o seu desejo, manifestado em testamento, um ano depois da sua morte foi criada a Fundação com seu nome, com a finalidade, entre outras, de abrigar o Museu, aberto ao público, reunindo a sua coleção, com mais de 7 mil objetos, de moedas gregas clássicas, livros raros, cerâmicas islâmicas até as jóias de René Lalique, além de quadros fantásticos, como o Busto de São José, de Roger Van Der Weyden.

Gostamos de tudo mas, especialmente, do núcleo de arte islâmica, na Galeria 4, reunindo obras de cerâmica, azulejos, tapetes, tecidos, manuscritos, encadernações e vidros. Segundo os entendidos, uma das peças mais importantes desse acervo é um jarro de jade branco, executado para Ulugh Beg, príncipe da dinastia timúrida (1370-1506), conforme inscrição em relevo no gargalo. Mas, na minha ignorância, o que mais apreciei foram os azulejos, os veludos e as cerâmicas pintadas em azul e branco. São de enlouquecer. Os tapetes também são uma viagem. Ficaria dias ali, olhando os detalhes de cada ponto, se não fossem os rapazes me puxarem para os salões do núcleo de artes do extremo-oriente. Foi lá que vimos o conjunto japonês para piquenique, em madeira, revestida a laca preta e vermelha. Uma peça fantástica, pela delicadeza e pela praticidade.

Vejam alguns exemplos de tudo que vimos nas quase três horas de visita ao Museu Calouste Gulbenkian:

Os dois pratos em faiança pintada sob o vidrado são da Turquia, da 2ª metade do século XVI, do Período Otomano. São apenas dois exemplares de uma coleção vastíssima, que ocupava toda uma lateral do prédio. Fiz só uma foto ou outra, porque fiquei com vergonha de ficar clicando tudo que via ao invés de apreciar. Foi uma opção, mas esses dois exemplares já dão um gostinho do que pudemos saborear nesse passeio, não é não?

Os azulejos, também em faiança pintada sob vidro, são outro departamento, muitíssimo especial. São também da Turquia, da 2ª metade do século XVI, do Período Otomano, conforme está identificado nas etiquetas. Esse painel acima, em forma de tímpano, pertence a um conjunto de doze tímpanos idênticos, provenientes da mesquita de Piyale Pasha, em Istambul. Imagina-se que tenham sido retirados e substituídos por pinturas murais, em 1890, depois de um tremor de terra que danificou o prédio. Todos os painéis que vimos são lindíssimos e não saberia fazer uma escolha que não fosse aleatória para representar esse núcleo. Espero que gostem, como gostamos. Os azulejos de Calouste até me inspiraram um novo projeto. Quando me aposentar, vou fazer um curso de pintura em azulejos. Pelo menos vou tentar. Se conseguir aprender alguma coisa, vou arriscar algumas peças ao estilo turco otomano, século XVI. Se não, pelo menos terei me divertido.


As duas peças acima também fazem parte do acervo Calouste. A natureza morta é de Claude Monet, um óleo sobre tela de 1872. A cerâmica pintada em azul e branco ajuda a compôr a mesa retratada por Monet, mas o que achei mais curioso nesse quadro foi a melancia partida. Depois, li num folheto, que essa obra de Monet se sobressai pelo arrojado exercício de cor. A foto de baixo é de um relógio de bronze, adquirido por Calouste em Paris. A peça é de 1760/1770 e suas engrenagens estão perfeitas, marcam as horas pontualmente.
Vimos muitas outras peças deslumbrantes, como o quadro Figura de Velho, de Rembrandt (1645). As cores, a luz, os detalhes extremamente expressivos das mãos e do rosto da personagem dão grande densidade a esse quadro. Não quis fotografá-lo, preferi só olhar para não perder o encanto. Quem estiver indo a Portugal, vale a pena dedicar uma manhã inteira, mais longa que a nossa, só ao Museu Calouste Gulbenkian e quem não estiver indo, mas tiver a mesma curiosidade, vale a pena também fazer uma visita virtual ao Museu, clicando aqui . Eu vou, quando começar a esquecer tudo que vi e não fotografei.
Depois de nos fartarmos de artes tão delicadas, caimos na vida novamente. Mas esse capítulo fica para outro dia.

domingo, 16 de novembro de 2008

Personagens urbanas


Quatro dias é muito pouco tempo para conhecer uma cidade. Quando muito, dá para se ter uma idéia e já está de bom tamanho. Os museus, os monumentos, os pontos turísticos nos ajudam bastante a entender a cultura de uma região, mas não são suficientes. Às vezes, os personagens que encontramos na rua são mais expressivos que 100 folhas de documentos. Mas, para conhecer todos eles, seria necessário também mais do que quatro dias. Alguns, no entanto, são bem evidentes.

Os vendedores de castanhas, por exemplo. Em Lisboa, são como os nossos pipoqueiros. Estão em todas as praças e por toda parte. Não sei bem o que isso significa, mas está claro que esse fruto é bem mais popular em Portugal do que o nosso milho. Apesar de não ter identificado nem um souto de castanheiro pelas estradas por onde passamos, devemos ter cruzado com alguma dessas plantações, pois a castanha tem uma grande importância econômica para o país e ocupa o 2º lugar entre os produtos agrícolas exportados. Não que o milho não seja importante por aquelas plagas. Mesmo com a produção em declínio, existem por lá mais de 100 mil produtores de milho, a maior parte acima do Rio Mondego. Mas o milho é mais usado como ração e não para fazer pipocas. No Brasil também é assim, a maior parte da produção é para consumo animal, portanto, esse argumento não explica nada. Por isso, acho que, no final das contas, tudo é uma questão de gosto.

Nos dias que passamos em Lisboa e nos outros que andamos pelo interior, quase não vimos crianças. Sei que não são tão populares como são por aqui. Representam menos de 20% dos pouco mais de 10 milhões de portugueses e nem ficam andando pela rua sozinhas, como ficam por aqui. Isso faz a diferença e explica porque é tão difícil mesmo encontrá-las. Ainda assim, acabamos topando com uma, no metrô, quando íamos para o Parque das Nações. Não estava ameaçando ninguém, nem pulando de um lado para o outro, nem rindo, nem brincando. Estava lá, tocando o seu acordeon e recolhendo o merecido cachê, com a ajuda de um cãozinho danado de feio, mas simpático. A criança me pareceu melancólica, mas acho que estava fazendo um tipo. É outro personagem da cidade.

Mas ninguém pode imaginar quem mais encontramos pelas ruas de Lisboa. É inacreditável e ao mesmo tempo absolutamente previsível. Exatamente, exatamente. Estávamos em Belém, ao lado do Monumento dos Descobrimentos e quando olhamos para o lado, adivinhem? Isso mesmo, mais uma das equipes da multinacional de música regional boliviana. É impressionante como são eficientes, estão em toda parte e, coincidentemente, sempre em grandes momentos. Lá estavam eles.




Encontramos outros, como os bolivianos, porém, mais inusitados e menos seriados. Os músicos de Cabo Verde, por exemplo, que vieram animar o nosso almoço em Alfama, e uma turma que não identifiquei bem, mas que parecia ser de peles vermelhas, vinda diretamente das Américas. E outros personagens, como o policial fazendo a ronda usando a Coisa, a cabeça de um bacalhau e o ambulante que vende livros usados. E muitos outros, que não fotografamos, mas que aos poucos irei me lembrando.