
Depois da farra da noite anterior, retomamos a compostura. Levantamos cedo, tomamos um bom café da manhã, com pão caseiro, sucos, queijos, quitutes e outras aventuras. Fechamos a conta, a contragosto, e saímos para conhecer Guarda, uma das cidades mais altas de Portugal, a 1.056 metros acima do mar. Nessa época do ano, outubro, a cidade tem uma temperatura agradável e um céu bem azul.
Não perdemos tempo pesquisando o comércio, mas, de plano, desconfio que tem um pouco de tudo o que uma cidade precisa para a sua sobrevivência. Sem ostentação, sem muita variedade, sem muita sofisticação, mas com o suficiente para atender os desejos de um consumidor bem comportado, como, me parece, são os portugueses.

Entrada do Museu da Guarda
A nossa primeira parada foi no Museu da Guarda, instalado no antigo Seminário Episcopal, uma construção de 1600 e qualquer coisa. O prédio, de blocos de granito, é austero como outros que vimos na cidade, de linhas despojadas, frias e límpidas. No seu interior, possui um pátio enfeitado com hortências floridas que poderia ser um bom lugar para meditações, mas não dispõe de nem um banco para sentarmos e ali nos deixarmos ficar. Uma pena.

O Museu abriga perto de 4 mil e 800 peças de coleções de arqueologia, numismática, esculturas sacras dos séculos XIII a XVIII, pinturas e armarias. Só para terem uma idéia, entre as peças, estão duas espadas da Idade do Bronze, um granito policromado do século XIII, representando Nossa Senhora da Consolação e armarias do século XVII ao século XX, que ajudam a documentar a evolução das armas neste período. Os rapazes ficaram impressionados, especialmente com uma miniatura de canhão, em bronze, apelidada de Josefina, datada de 1773 e, ainda, com uma pistola de palma de mão, com carregador circular em aço, decorada com aplicações em madrepérola. A pistola, do século XIX/XX, tem um cano circular em aço, muito doido, e, na extremidade oposta, o gatilho. Não sei se é muito prática, mas que o inventor dessa geringonça viajou na maionese, não tenho dúvidas.
Eu me impressionei com as pinturas e com uma exposição, não sei se temporária, de fotos, objetos e descrição de costumes da região. Me diverti com os painéis de trava-línguas e anotei um deles para guardar de lembrança e passar para os meus netinhos que, um dia, espero, virão:

Tenho uma capa chilrada, bilrada e gabripatalhada que
a levei à chilradoira, bilradoira e gabripatalhadoira,
para que ma chilrasse, bilrasse e gabripatalhasse,
que eu pagaria a chilradura, bilradura e gabripatalhadura.


Segundo os entendidos, a Catedral da Sé de Guarda é um dos últimos monumentos portugueses dos tempos do gótico, apesar de ostentar evidências também da influência manuelina. Eu, que não sou uma entendida, fiquei muito impressionada com as gárgulas que rodeiam todo o entorno da construção. Parecem demônios nos tentando e nos obrigando a entrar correndo na Catedral em busca de proteção. Coisas da minha imaginação.

Contrastando com o exterior um tanto pesado da Catedral, o interior encanta pela sua leveza, um efeito provocado não sei se pela sua altura descomunal ou se pela harmonia das abóbadas ou se pelo seu ambiente extremamente clean. Pelo menos essa foi a impressão que me ficou. Lá dentro, me encantou as meias colunas espiraladas e as 100 figuras entalhadas no alto da peça de altar, executadas na oficina de João de Ruão, como dizem os portugueses, ou Jean de Rouen, como diz o guia da Folha de São Paulo. Também observei, como em outras igrejas onde estivemos, as inscrições, talhadas no chão de pedra, de nomes de pessoas que, provavelmente, estão ali enterradas. Enfim, uma visita obrigatória para quem está passando por perto.


Cenas das ruas de Guarda

O bacalhau ao brás estava uma delícia e sua receita não é tão difícil assim para os não iniciados na alta gastronomia. Segundo as orientações da cozinheira, passadas em bom português, é o seguinte: refogue a cebola, o tomate e o bacalhau destroçado numa frigideira com um tanto bom de azeite. Em outra panela, frite a batata, picada em tiras bem fininhas (eu acho que é ralada com aquele corte maior). Depois, misture tudo numa panela só e jogue um ovo por cima. Foi isso que entendi, mas ainda não testei, porque gosto mesmo é de bacalhau a Gomes de Sá.
Terminada a refeição, ainda andamos um pouco pela cidade antes de buscar o carro e pegar de novo a estrada. Foi uma manhã muito proveitosa!
Um comentário:
Muito boa escolha.
Postar um comentário