Mas antes de subir, demos mais uma volta na praça e foi quando vi o cartaz abaixo, com ensinamentos nobres sobre a educação de jovens. Gostei muito, mas para não parecer que sou muito radical, fotografei também outra frase, com bandeiras mais liberais, pichada no muro de alguma construção em Alfama. Nada como o equilíbrio! Colecionei outras frases interessantes, mas aos poucos vou mostrando. Registrei ainda o meu sonho de consumo: um Toyota, modelo compacto. Só não pude registrar a minha volta na Coisa. Estavam oferecendo, na Praça do Comércio, um passeio de 15 minutos na Coisa, por uma mixaria de 3 ou 4 euros. Mas não me deixaram pagar esse orangotango. Ainda bem!
Estrategicamente, me puxaram para o lado e me puseram no elétrico que já estava saindo. Saindo e subindo, subindo, porque Alfama é uma ladeira só, toda cortada por ruas estreitas, becos que sobem e descem, fazem curvas e se abrem, de repente, para novos espaços: um terreiro, uma praça, uma passagem ou outro beco. É um labirinto de boas surpresas. Li em algum lugar que esse traçado é influência da cultura mulçumana, que valoriza menos os espaços públicos e as fachadas das construções e mais o interior das casas. E é verdade que os árabes passaram mesmo por lá, só não sei se procede a observação que fazem sobre a cultura muçulmana, mas pelo que vi, tem lógica.
Descemos do elétrico no Miradouro de Santa Luzia e retomamos a nossa jornada até o Castelo de São Jorge a pé mesmo. Do Miradouro já se tem uma vista formidável do bairro e do rio Tejo. Me daria por satisfeita, se não soubesse que o melhor estava por vir. Não sei dizer qual é o nome da igreja que aparece na foto abaixo. Acho que é a de Santo Estêvão, mas não tenho certeza. Agora, o rio que corre lá em baixo, não tenho dúvidas: é o Tejo. O painel azulejado, na outra foto, retrata a Praça do Comércio antes do terremoto. Seguimos. Mais uma vez, me encantei com as fachadas de azulejo e as portinhas dos sobrados. É impressionante, em Alfama e em muitas outras regiões de Portugal, as portas e janelas das casas são muito pequenas mesmos. Para entrar, até eu mesma precisaria me curvar para não bater a testa no marco. Ninguém soube me explicar o porquê disso. Dizer que os portugueses são baixinhos, não justifica. Tem de haver uma explicação melhor. Ainda vou descobrir.
Mas agora vou fazer outra revelação: o Castelo de São Jorge, na verdade, não é um castelo. Ficaram chocados? Pois é, vivendo e aprendendo. O Castelo de São Jorge era, de fato, um forte. Por volta dos séculos X e XI, esteve tomado pelos mouros que dominavam a região. A construção foi ampliada e passou a ocupar uma área de quase 6 mil metros quadrados, rodeada por uma muralha, com dez torres, vigias, fossos e duas praças divididas por um muro e ligadas por um portal. Transformou-se numa fortaleza, abrigando uma verdadeira cidadela, com várias outras construções. Foi em 1147, que Dom Afonso Henrique expulsou os árabes de Portugal e transformou a fortaleza na residência real. A denominação Castelo de São Jorge só foi ser adotada bem mais tarde, a partir de 1371, por determinação do rei João I, em referência ao pacto militar e político assinado entre Portugal e Inglaterra. Vocês não vão acreditar, mas São Jorge, o Santo Guerreiro, que já foi cassado pela Igreja Católica e hoje já nem é mais santo, embora continue sendo venerado por muitos, era adorado nos dois países. Ao dar essa denominação à residência real, João I quis prestar uma homenagem aos devotos de Portugal e da Inglaterra. Esperto, ele.
O Castelo permaneceu como residência real até meados de 1511, quando essa foi transferida para o Terreiro do Paço. Desocupado, passou a abrigar uma prisão e um quartel. Após o terremoto de 1755, a fortaleza ficou em ruínas até 1938, quando Salazar determinou uma reforma geral no prédio, reconstruindo suas muralhas e acrescentando algumas inovações, como jardins e aves exóticas. Mas o melhor do Castelo de São Jorge não foi ninguém que construiu ou reformou. O melhor de tudo que ele tem é a vista que ele nos oferece da cidade. Todos os ângulos são favoráveis e, de lá do alto das torres, Lisboa só pode ficar bem na foto.
Do Castelo, saímos famintos atrás de algum lugar para almoçar, pois já passavam de três horas da tarde ou coisa assim. Demos sorte outra vez e descendo os becos e ruelas, demos de cara com o restaurante A Tasquinha, que fica numa contra esquina de três ou quatro ruas e mais dois becos, bem em frente a uma pracinha, com uma árvore super frondosa e verde. Foi lá que encontramos Liciânia, uma brasileira do Paraná, que nos serviu uma sardinha deliciosa e um jarro de sangria que estava um espanto e geladíssima! Fez tanto sucesso, que nossos eternos adolas nem se lembraram mais do Frize. Aí, claro, pedi a receita e Liciânia prontamente me atendeu: vinho tinto, licor de beirão, canela, açúcar, frutas (maça e laranja) e o pulo do gato: Frize! Mas Liciânia já traduziu para o nosso português: Sprite geladérrimo e menos açúcar! Ainda vou arriscar.
A surpresa do almoço foi a visita dos músicos de Cabo Verde. Sentaram-se num banquinho, no meio da rua, puxaram a viola e animaram a festa. A música é muito alegre e dançante e eles também são, permaneceram com um sorriso farto o espetáculo inteiro. Depois vieram à nossa mesa e renderam conversa. Adoraram saber que vínhamos do Brasil. Falaram do país com muito carinho, nos chamaram de irmãos e ensaiaram um sambinha improvisado. São demais.
Barriga cheia, pé na areia. E lá fomos nós outra vez. Descer Alfama a pé até a Sé. Já era hora de missa e, claro, entramos. Estava, justamente, na hora da homilia. O padre, parece, falava do Brasil, mas era de Portugal mesmo. Pedia aos homens públicos que tivessem consciência e passassem a governar com mais sobriedade. Não me lembro bem as palavras, mas criticava a corrupção e a falta de espírito público dos governantes. Ai ai, somos todos iguais mesmo.
Daí, já era noitinha e voltamos para o hotel. Tomamos um banho, descansamos e caímos na vida novamente. Fomos atrás de um fado. É claro que deveríamos ter feito reservas, mas estávamos de férias, vivendo das emoções, como íamos pensar nisso? Com a ajuda do gerente do hotel, acabamos conseguindo uma mesa no restaurante A Severa. Não é o melhor do fado português, que está mesmo em Alfama, mas é muito bom também. Fica na rua das Gáveas, no Chiado, o paraíso dos barzinhos. São portinhas minúsculas, para variar, e os clientes bebem em pé, no meio da rua. É um movimento doido, mas não tem arruaça nem ameaças. Atravessamos tudo a pé, sem nenhum risco.
No restaurante, adivinhem? Outro brasileiro veio nos socorrer, o Kleber, um cruzeirense doente. E ninguém vai acreditar, mas o danado morava em Belo Horizonte, no Barreiro, e resolveu tentar a sorte justamente em Portugal. Já está em Lisboa há quase 10 anos. Casou-se com uma equatoriana e agora estão trazendo as famílias para se juntarem a eles. O mundo é um ovo! Depois de muita conversa vai, conversa vem, ele nos mostrou o cardápio e já fez as sugestões: um frango à púlcara e um leitão à bairrada para os rapazes. Os dois pratos, nota 10! O frango lembra muito o nosso molho pardo, mas tem os seus segredos. Kleber me contou que o molho, em vez de sangue, leva vinho do Porto tinto. Aprovei.
Não tenho nenhum registro da noite, porque esqueci a máquina no hotel. Foi uma pena, porque o show, mesmo não sendo mil, emociona. O fado é um canto bonito, às vezes, triste, melancólico, mas, principalmente, é um canto que vem do fundo da alma e é por isso que ele nos toca tanto. Aprendi no A Severa que o fado vem do latim Fatum, que significa predição: a vida preconizada pelo oráculo que nada poderá alterar. Parece até um fardo, não um fado. Mas nem sempre esse canto é triste. Uma das músicas cantadas no espetáculo conta a história de alguém que rompe com a sua sina e, contrariando o fado, inventa um novo destino. Ou seja, no mundo de hoje, tudo é possível.
Como é de costume da terra, antes da meia noite estava tudo encerrado: o show e os trabalhos da cozinha. Assim, pedimos a conta e voltamos para o hotel, que já era hora. Apagamos!