sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Os cafés de Lisboa - 10/10

Depois de nos fartarmos de orelhas e sumários na Bertrand, retomamos nossa caminhada Garret acima, em direção ao Largo do Chiado. Estava sempre três passos atrás dos rapazes e por duas vezes quase caí, pois andava olhando para o alto, apreciando as fachadas de azulejo dos sobrados que se multiplicam pela cidade. Os da Rua Garret são sobreviventes do grande incêndio que, em agosto de 1988, destruiu boa parte dos prédios do Chiado, especialmente os das ruas Nova do Almada, do Carmo e da própria Garret. Não sei muito sobre esse incêndio, só que as chamas deram conta do recado em poucas horas. Os lisboetas ficaram desolados, mas os trabalhos de reconstrução conseguiram salvar pelo menos algumas fachadas originais e a alma da região, que continua muito charmosa e sendo referência histórica e cultural da cidade.

Entre outras atrações, é lá que fica o Café A Brasileira. Óbvio que nosso plano era mesmo o de arrematar o almoço ali, experimentando um pastel de Belém com sotaque e um cafezinho feito na hora. E não gastamos muitos passos da Bertrant até o alto da rua. O Café A Brasileira é uma referência importante para nós por várias razões. A primeira, claro, é porque um de seus freqüentadores mais assíduos era o poeta Fernando Pessoa, que releio sempre que posso, embora nunca tenha conseguido decorar nem um de seus poemas. Mas isso não é nenhum demérito, porque não sei mesmo de cor nem um poema, de poeta algum. Só leio e releio quando preciso, com a vantagem de ter sempre aquela sensação gostosa de ser a primeira vez. E entre as mesinhas que ficam na rua, lá está ela, uma estátua em bronze do poeta, sentado, sempre no meio de uma prosa. A obra é de autoria do mestre Lagoa Henriques. Paguei o mico. Sentei-me com ele por alguns instantes, para trocar algumas idéias. Nem acreditei que tive essa coragem.
Outra razão da nossa curiosidade pelo café é a sua relação com o Brasil. Como o próprio nome sugere, era ali que os portugueses tinham oportunidade de saborear o autentico e verdadeiro café brasileiro. No começo, nem fazia tanto sucesso assim, mas Adriano Telles, seu fundador, tinha tino para o negócio. Investia na modernização do espaço e fazia promoções para atrair o público. No dia da inauguração da nova casa, em 19 de novembro de 1905, quem comprasse um pacote de café moído para levar para casa, bebia uma chávena de graça. Espertinho ele, não é? Além do café, Adriano importava do Brasil goiabada, tapioca, pimentinha e outros temperos mais. Tudo era mais fácil para ele, pois morara um bom tempo no Brasil, antes de voltar a Portugal para os novos empreendimentos. Em pouco tempo, o Café A Brasileira tornou-se um point para intelectuais, poetas e artistas da cidade. Era um homem de negócios, mas também um homem sensível que admirava e valorizava as artes, ajudando a divulgar o trabalho de vários pintores da época, expondo-os no seu café.

Enfim, estávamos lá, rodeados por alemães e franceses. Não me pareceram ser poetas, mas eram bem faladores, por isso ficamos bem a vontade também. Abusamos do nosso sotaque mineiro, enquanto avaliávamos a qualidade do nosso pedido. No final, sobrou um pastelzinho no prato, mas ninguém se aventurava mais. Aí decidimos dividi-lo irmãmente e pedimos uma faca. Não sei se a menina que nos atendia não entendeu o nosso pedido ou se entendeu. O fato é que em vez da faca, ela trouxe a conta. Rimos muito e tivemos de explicar a ela que, no Brasil, quando chega a conta, às vezes comentamos: lá vem a facada. Ela também achou graça na confusão que fez, não sei se por educação, mas afinal trouxe a faca e ainda se ofereceu para fazer a nossa foto no café. Uma gracinha.
Do café, saímos novamente para bater perna. Fomos para a Praça Luís de Camões, onde fica a Embaixada do Brasil, conferir se ela é de fato tão bonita quanto dizem. Lembramos de Zé Aparecido. Se não estou enganada, fomos nós que pagamos a recuperação desse prédio, também destruído no incêndio de 88. Antes paramos na esquina da Garret com a Rua da Misericórdia, para conhecer a Igreja do Loreto ou Igreja dos Italianos. Nossa adola, que é fã do Poderoso Chefão, não perdeu a oportunidade para inventar algumas histórias da máfia em Portugal. Santo Deus!

Rendas e bezouros













E continuamos a andar. Depois de subir a Garret, nosso roteiro foi descer a Garret, em direção à rua da Conceição, o paraíso dos aviamentos. Mas, antes disso, contamos mais de meia dúzia de Smarts cruzando as ruas. Os Smarts são a grande atração automobilística de Lisboa, estão por toda parte. São bezourinhos menores que o nosso velho fusca. Cabem em qualquer lugar, mesmo onde não tem vaga alguma, eles conseguem estacionar. É impressionante! E ainda entramos em mais uma livraria, atrás da Ceia dos Cardeais, de Júlio Dantas, que queria trazer para presentear meu pai. O Atelier de Relume - Librairie de A Ferrin também tem uma história. Está ali no Chiado desde o início dos anos 1900 e tem um bom estoque de brochuras de clássicos da literatura. Mas não tem livreiro ou, pelo menos, não na hora em que passamos por lá. A caixa de plantão não soube me dizer se teria ou não o livro que procurava e pediu-nos para esperar um dos vendedores. Não esperamos.
Seguimos o nosso caminho, passando em frente ao Mercado do Chiado e descendo a Nova Almada até a Rua da Conceição. Já no primeiro quarteirão dei de cara com a Adriano Coelho - Retroseiros. Deixei os rapazes na rua, se divertindo com a frota de carros portugueses, e entrei para procurar os barrados bordados, encomenda de minha irmã, e uma chita portuguesa, que queria trazer para fazer um vestido de verão. Não encontrei a chita em lugar nenhum, mas me perdi num mundo de barrados, linhas de diversas cores, fitas, rendas e outros bordados mais. Minha irmã tem toda razão. Os barrados portugueses, ou seja lá que outro nome isso tem, são muito delicados e têm um acabamento que beira a perfeição. Eram tão bonitos que tive vontade de trazer para mim também. Mas deixei pra lá, pois não saberia dar nenhuma destinação a eles. Minha irmã vai usá-los no acabamento dos bordados que anda fazendo. Vai fazer um bom uso.

Agora, olhem se esse nosso mundo não é um ovo! Estava super indecisa na loja. Eram tantas opções que fiquei perdida. O rapaz que me atendia tentava me socorrer, mas não ajudava muito. A minha dúvida era maior, porque queria escolher as tiras bordadas como se fosse a minha irmã. Impossível. Mas ficamos conversando e acabei descobrindo que o dono dessa loja, atualmente, está no Brasil, morando em Maceió. Montou uma barraca de água de coco e lagosta, para atender a clientela portuguesa que vem fazer turismo nas nossas praias. Dá para acreditar? Bem que ele poderia montar uma filial da Adriano Coelho por aqui. Seria uma boa idéia, não é?


A Rua da Conceição tem muitas outras lojas de aviamento, mas a minha cota de consumidora já estava vencida. Quem estiver passando por ali e também tiver interesse em fitas bordadas, deve andar até a esquina da Rua da Prata, onde vi um retroseiro muito chique e com um estoque mais variado ainda do que o da Adriano Coelho. Deve ser de enlouquecer. Nem me atrevi a olhar a vitrine, mesmo porque, quando me dei conta, os rapazes já estavam longe, descendo a Rua da Prata em direção à Praça do Comércio, nosso próximo alvo. A praça abrigou o palácio real durante 400 anos e foi palco de importantes momentos históricos do país, entre eles, do primeiro levante do Movimento das Forças Armadas, na Revolução dos Cravos, em 1974. Na década de 1910, os prédios que abrigavam a família real foram transformados em gabinetes administrativos do governo e pintados com a cor rosa da República, segundo o Guia da FSP. Hoje, estão pintados de amarelo real e acho que continuam abrigando repartições públicas.
Café com Frize





A Praça do Comércio também tem um apelido. Entre os portugueses, é conhecida como Terreiro do Paço. É uma área aberta enorme e, por isso mesmo, belíssima. Mas como em todo lugar do mundo, sempre tem um espírito de porco que não suporta ver um espaço vazio sem querer logo preenchê-lo com alguma coisa. No caso, transformar a praça num grande estacionamento. É inacreditável. Ainda bem que a proposta não vingou. Enquanto isso, podemos apreciar, sem trombar em nenhum carro ou qualquer outro obstáculo, o enorme arco ao lado norte da praça, que dá passagem para a rua Augusta, e a estátua do Rei José I, ali instalada em 1775, além dos lustres dos corredores térreos, que são lindíssimos.



Ainda segundo o Guia da FSP, a estátua é uma obra de Machado de Castro, o mais importante escultor português do século XVIII. José I está montado num enorme cavalo de bronze, que pisa em serpentes. Originalmente, era um cavalo negro e inspirou outro apelido para a praça: Praça do Cavalo Negro, adotado por viajantes e mercadores ingleses. Hoje, com o tempo, a estátua foi coberta por um tom esverdeado que a deixou mais bonita ainda. E mais do que o cavalo, o que me fascinou foi um elefante, postado bem ao lado dele. Um inusitado elefante! O que será que passava na cabeça de Machado de Castro enquanto moldava esse elefante? Acho que ele era um viajandão.

Ainda na praça, paramos em mais um café para saciar a nossa sede insaciável de tudo. Dessa vez, foi no Café Restaurante Martinho da Arcada. Esse é realmente antigo. Foi fundado em 1782! Mais de 300 anos de história e não está prosa. De volta ao Brasil, relendo Pessoa, vi duas fotos do poeta no Café Martinho da Arcada e nem umazinha dele no A Brasileira. E, de fato, foi lá que Pessoa escreveu muitos dos seus poemas, entre eles, os que fazem parte do seu único livro publicado em vida: Mensagem. Foi lá que meus rapazes descobriram o Frize, um refri de limão, levemente salgado. Gelado, é uma delícia mesmo. De lá, fomos para a Escadinha do Espírito Santo da Pedreira tomar o metro e voltar para o hotel.

Pensam que acabou o dia. Nada! Descansamos um pouco e voltamos para o Rossio. O plano agora era jantar no Solar do Presunto, que fica na Rua Portas de S.Antão, paralela à Avenida Liberdade, na altura da Praça dos Restauradores. Super indicado, mas acho que não só para nós, pois estava lotadérrimo também, com fila de espera na porta. Desistimos, porque o sono estava chegando. Descemos até a Praça da Figueira, que fica ao lado do Rossio, e resolvemos o nosso jantar com os famosos bifanas, um sanduíche na chapa, de pão francês com carne de porco. O velho e bom sanduba com coca-cola! Voltamos para o hotel satisfeitos e dormimos o sono dos justos. Foi assim o primeiro dia.

Um comentário:

Unknown disse...

Descobrindo a Baixa Pombalina?? Linda mesmo, e o Chiado quem me dera comprar um apartamento que dizem são os mais caros da Europa!!!
Um segredo não encontrou Chita Portuguesa? esteve mesmo a uns metros das melhores retrosarias de Lisboa. Chegou a visitar a Opera de Lisboa (teatro S. Carlos e o S. Luís) magníficos. Senão tem de voltar ficam mesmo atrás do edificio de A Brasileira.
Adorei este Post