segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Pé na estrada - 13/10

Vista da Avenida da Liberdade com rua Alexandro Herculano
Vou procurar concluir mais rápido esses relatos de viagem, antes que minhas lembranças se embaralhem em outras histórias e se percam por aí. Mas não vou me impor metas nem fazer planos. Essa foi uma das coisas que aprendi nessa viagem. Não vale para tudo na vida, mas vale para muitas situações. É muito melhor, por exemplo, viajar sem planos, sem roteiros previamente concebidos, hotéis reservados, restaurantes com hora marcada e cartão de ponto. Claro que um planejamento básico é necessário, ao menos para apontar rumos, mas isso é o suficiente. Depois de uns dias, deixar que as coisas aconteçam é muito melhor. Sem planos para dar errado, tudo só pode mesmo dar certo e dá.

Quando saímos do Brasil, por exemplo, sabíamos que ficaríamos três dias em Lisboa. Na primeira segunda-feira, sairíamos de Lisboa em direção ao Norte, para o Porto ou Coimbra, de ônibus, de trem ou de carro, pelo litoral ou por algum caminho pelo interior de Portugal. Era tudo que sabíamos, no mais, deixamos para decidir quando chegasse a hora. Assim, na segunda, 13 de outubro, acordamos descansados e descemos para o café livres como um passarinho, como dizia minha avó, prontos para decidir qualquer coisa. E entre um pãozinho com geléia, um suco, um café, um bolo e outras quitandas, começamos a analisar as possibilidades: ônibus, trem ou carro. E não foi preciso muita conversa para concluirmos que, em nome da liberdade, o melhor seria alugarmos um carro. Em prol da liberdade e da curiosidade. Os rapazes estavam loucos para pegar um carro e rodar pelas estradas do mundo.

Enquanto eu fechava as malas, eles foram providenciar o nosso possante. Em poucos minutos estavam de volta com o Leon, um Seat, da Volkswagem espanhola. Não vi muita diferença em relação aos nossos carros, mas homens tem uma capacidade excepcional para perceber detalhes quando se trata de analisar o desempenho de um carro. Não são capazes de observar um objeto que muda de lugar dentro de uma casa ou de perceber uma mudança no corte de cabelo de uma mulher, mas descobrem rapidamente a diferença de uma luzinha no painel de um carro, o peso de um pedal, a desenvoltura de um motor e outros pormenores que nem saberia listar. É impressionante como são detalhistas. Mas seja como for, essa escolha foi uma boa pedida mesmo e ficou até mais econômica que uma viagem de trem ou de ônibus.

Deixamos o hotel por volta de meio dia e seguimos a primeira estrada que encontramos em direção a Coimbra, a chamada A1. Não dá para ficar comparando essas estradas com as nossas, porque tudo é muito diferente. Não é só o fato de não termos topado com nenhum buraco ao longo de todo o caminho que as fazem melhores que as nossas, mas o seu traçado, a sinalização, as faixas de velocidade e a educação dos motoristas, tudo isso somado é que torna a viagem muito mais segura e tranqüila.
A nossa primeira parada, depois de uma hora e pouco de estrada, foi em Santarém. Para variar, estávamos com fome e com sede e precisávamos nos abastecer urgentemente. Viajar com adolescentes tem dessas coisas. Mas Santarém entrou nos nossos planos por outro motivo também, é lá que se encontra a lápide de Pedro Álvares Cabral, ao lado da Igreja da Graça, no largo Pedro Álvares Cabral. Lemos isso no Guia da Folha de São Paulo, enquanto ainda estávamos na estrada.

Assim que entramos na cidade, passando pelo Mercado Municipal, vimos uma igreja no alto de um morro e fomos direto para lá. Deveria ser ali, imaginamos. E paramos, olhamos, pesquisamos, mas estava tudo fechado. Claro que estávamos enganados. Aquela era a Igreja do Convento de Santa Clara. Não perdemos a caminhada, porque mesmo vendo só por fora, é uma construção muito bonita que vale a pena conhecer, mas não era o que procurávamos. Voltamos para o carro e continuamos nossa busca, entramos e saímos de becos, passamos pelos fundos da Igreja da Graça, voltamos, cortamos outros becos, mas não conseguimos parar para ver o túmulo de Pedro Álvares Cabral. Paciência, também a vontade não era assim tão grande, a fome é que era maior. As fotos são da Igreja de Santa Clara, de um casarão com fachada de azulejos e da torre de uma outra igreja que não sei bem qual é e me esqueci também de perguntar. Foi mal.





Na primeira praça com vaga para estacionar que encontramos, paramos. E foi uma boa idéia. Sentamos na Pastelaria Bijou e fomos muito bem servidos por um garçon, dessa vez português mesmo, que nos trouxe bolinhos de bacalhau e as famosas chamuças, um pastel indiano que, no Brasil, chamamos samosa. Acreditamos que essa é uma contribuição da culinária de Goa para a cozinha portuguesa. Goa é o menor dos estados indianos e o quarto menor em população, mas o mais rico em PIB per capita da Índia e esteve sob o domínio de Portugal de 1510 até quase o início dos anos de 1970. Hoje, a sua língua oficial é o concani, mas ainda existem pessoas ali que falam o português.

Quem tiver interesse de conhecer o sotaque dos indianos de Goa vale a pena ver o documentário Língua - Vidas em Português, do moçambicano, residente no Brasil, Victor Lopes. Ele percorreu cinco países - Brasil, Portugal, Moçambique, Índia e Japão, para mostrar as diferentes versões do português falado pelo mundo a fora, com depoimentos fantásticos, como os de Mia Couto e de José Saramago, mas, principalmente, os de pessoas do povo, como Dinho, um jovem moçambicano, que canta rap e sonha um dia morar nos Estados Unidos. O seu depoimento é poesia pura, apesar da dureza da vida. O documentário é também uma oportunidade para conhecermos os costumes desses povos e nos vermos em cada um deles, seja na música, no modo de vestir, no jeito de estar no mundo, na culinária, na pobreza, na riqueza e na diversidade e não só na língua. Não percam!


Voltando para a mesa do Bijou, foi lá também que experimentamos os pasteizinhos de Santa Clara (vejam as fotos acima). Concordamos que esses eram os originais do Convento de Santa Clara, evidentemente. Um dos rapazes ficou na dúvida e custou a prová-los, temendo que a cobertura torradinha fosse côco ralado, que ele odeia com força. Mas o caçula, com toda sua sapiência, esclareceu:
- Não é côco não, é torro, Dani!
- Ah, e o que é torro?
Vai saber, né? Mas, não sendo côco, tudo vale a pena e ele acabou experimentando e nos apoiando: esses são, de fato, os verdadeiros pastéis de Santa Clara. Aprovado! E ainda ficaríamos mais tempo por ali, apreciando a fachada da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, que fica à direita da praça da Pastelaria Bijou, não fossem as aranhas. Isso mesmo, Santarém tem um mundo de aranhas, que vagueiam pelos ares e se agarram em nossos cabelos, nos braços, no rosto, sem mais nem menos, saindo do meio do nada. É muito estranho como elas aparecem de repente e se vão sem sabermos para onde. E para não corrermos o risco de cairmos como presa nas teias dessas aranhas, resolvemos pegar a estrada novamente. Deixamos para trás algumas coisas por fazer em Santarém. Serão desculpas para ter uma próxima vez. Deixamos a lápide de Pedro Álvares Cabral e o Jardim das Portas do Sol, cercado por muralhas medievais e de onde se avista uma bela paisagem do rio Tejo ladeado por uma vasta planície.

Mais uma hora e pouco de estrada, chegamos ao Santuário de Fátima. Perdemos a festa do dia 12 de outubro, mas ainda pegamos alguns peregrinos retardatários. A basílica de Fátima fica em uma esplanada duas vezes maior que a Praça de São Pedro, em Roma, e quando entramos no pátio senti uma força inexplicável, como uma benção mesmo. Apesar da descrença de um amigo, que acha essa história dos Segredos de Fátima uma invencionice de criança e da minha fé desconfiada, foi uma sensação muito especial e nunca vou me esquecer disso. Pode ser que Lúcia, Jacinta e Francisco nunca tenham visto Nossa Senhora e que ela nunca tenha contado a eles os três segredos de Fátima, mas a fé daqueles que acreditam é muito maior e mais poderosa que a própria história e acho que foi essa fé que nos rodeou quando entramos no Santuário.
Não vou repetir a história dos três pastorinhos, que todo mundo já está careca de saber, mas tenho de registrar um relato que li no Guia Turístico de Portugal de A a Z, da editora Dom Quixote, que minha irmã me emprestou e que é muito interessante. O nome de Fátima, onde fica o santuário, diferente do que eu pensava, é muito anterior à aparição de Nossa Senhora, na Cova de Iria. Conta a tradição local que Fátima era o nome de uma moura raptada por Gonçalo Hermingues, cavaleiro templário conhecido por Traga-Mouros, na véspera de São João Baptista, no dia 23 de junho de 1158. A jovem, ao converter-se à fé cristã, trocou o nome de Fátima pelo de Oureana. Após a morte prematura da esposa, o Traga-Mouros virou monge e fundou um mosteiro na freguesia de Olival. Bem ao lado do mosteiro, ergueu-se um povoado, que o monge chamou de Fátima, para perpetuar o nome original da esposa falecida. Ou seja, Fátima e Vila Nova de Ourém, também vizinha de Olival, são homenagens de um marido apaixonado. Já a primeira aparição de Fátima para os três pastorinhos só aconteceu em 13 de maio de 1917 e a construção do santuário data dos anos de 1950. Curiosidades.


Voltando ao Santuário, não me lembro dos detalhes do interior da basílica de Fátima, lembro apenas que ela estava lotada e que ficamos lá dentro um tempo e que rezamos e agradecemos tudo de bom que temos na vida e depois saímos e visitamos um campo de oliveiras, que fica bem ao lado da basílica e encontramos vários grupos de fiéis rezando, vindos de todas as partes do mundo. Lembro também dos dois anjos, belíssimos, que guardam a torre da basílica e da coroa de bronze, com 8 toneladas de peso, que brilha no alto dos 65 metros de altura dessa torre.






Não vimos a Capela das Aparições e nem a Casa dos Pastorinhos. Deixamos para uma próxima vez, quem sabe?


Além disso, estava ficando tarde e não queríamos pegar estrada à noite. Coimbra nos esperava, mas essa é outra história, que se der tempo, conto amanhã.

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