Gaia abriga exatamente os galpões onde esse processo é desenvolvido. O vinho, produzido nas regiões às margens do Douro, é transportado para esses armazéns onde é misturado e envelhecido. A Cave Porto Ferreira é uma das mais respeitadas entre os entendidos e, para nós, desentendidos, a única. Pelo menos na minha casa, Porto Ferreira e vinho do Porto sempre foram sinônimos. Por isso, foi muito emocionante conhecer o lugar onde esse vinho é preparado. Sem exagero, foi uma experiência até meio onírica, não sei se por conta da luminosidade, pois o interior da cave é mantido a média luz, ou por me sentir o tempo todo envolvida por aquele aroma de carvalho misturado ao vinho. Muito estranho. Os meninos não tiveram essa mesma sensação, mas ficaram concentrados. Foram motivados pela curiosidade e pela novidade do ambiente, ao mesmo tempo rústico e extremamente sofisticado. Adicione-se ainda algumas lendas familiares. Na casa de D. Rosa, o vinho do Porto era tratado como bebida sagrada.
Voltando a Ferreira, ela foi criada em 1751 por uma família de viticultores do Douro, mas ganhou fama mesmo a partir dos anos 1800, sob a liderança de D. Antônia Adelaide Ferreira. Dizem que era uma mulher carismática e um touro para trabalhar. O armazém que visitamos foi adquirido por ela, em 1876. A partir daí a distribuição do vinho do Porto Ferreira ganhou o mundo. Li isso num dos banners do salão principal, onde foi instalado um pequeno museu contando a história da empresa. Saberia um pouco mais, se Bernadete, nossa guia, não tivesse chegado e nos convocado para iniciar o tour.
Tentei anotar tudo que ela falava, mas ando um pouco enferrujada e registrei apenas algumas palavras soltas, expressões e alguns números que, reunidos agora, não fazem muito sentido. Mas ninguém está muito preocupado com isso, né? Basta dizer que existem três tipos de vinho do Porto: branco, ruby e tawny. São envelhecidos em grandes balseiros de madeira de carvalho, de origem francesa, que duram entre 60 e 70 anos. Os vinhos se diferenciam tanto pelo tipo de uva, quanto pelo tempo em que ficam armazenados nesses balseiros, alguns com capacidade para até 72 mil 800 litros. Os tawny, por exemplo, envelhecem apenas dois ou três anos nos grandes balseiros, passando depois para as pipas de 550 litros, que permitem um contato maior do vinho com a madeira e, portanto, com o ar. É isso que influencia a sua cor, mais puxada para âmbar dourado. Segundo Bernadete, os tawny são vinhos muito elegantes. O que ela não nos contou, mas li no Guia da FSP, é que o vinho do Porto foi inventado pelos ingleses, aqueles loucos. Foram eles que primeiro misturaram o vinho do Douro com conhaque, para evitar que ele se estragasse no trajeto das vinícolas até o Porto, onde eram comercializados. E deu certo. Os portugueses, claro, mais sensatos, aperfeiçoaram a fórmula, mas até hoje são os ingleses que dominam o comércio do vinho do Porto
Mas os mais caros e sofisticados são os das categorias especiais, produzidos com uvas de melhor qualidade ou de uma safra excepcionalmente boa. Bernadete garantiu-nos que isso acontece em duas ou três colheitas a cada dez anos. Uma raridade mesmo. Entre os especiais, estão os Vintage e os Late Bottled Vintage, ou LBV (não o confundam com a Legião da Boa Vontade!). Vintage é a classificação mais alta que um vinho pode alcançar. Além de ser obtido da colheita de um só ano, essa tem de ser daquelas, excepcionalmente boa. Ele é envelhecido em tonéis de carvalho por no máximo dois anos e depois é engarrafado, onde o processo continua por mais três ou quatro anos. Bernadete nos mostrou uma garrafa de Vintage de 1815 e outra de 1863, as mais antigas da cave! Custam a bobagem de dois mil e quinhentos euros. Eu não arriscaria.
Os LBV, por sua vez, também exigem uvas de qualidade especial, mas envelhecem de quatro a seis anos dentro dos balseiros e, depois de engarrafados, evoluem muito pouco. Vimos ainda uma prateleira com garrafas da aguardente Ferreirinha e outras preciosidades da Casa, como o Dona Antônia, o Quintas do Porto e o Duque de Bragança, vinhos especiais, mas já não me lembro se reserva, vintage ou LBV. No final fomos levados à sala de degustação, onde experimentamos um cálice de vinho do Porto branco, bem gelado, delicioso!; e outra de um twany de quatro anos, também saboroso. Faltaram os petiscos, mas como já estava na nossa hora, nem reclamamos. Saímos de Gaia por volta das 16 horas e pretendíamos chegar a Guarda antes de escurecer. Mas já sabíamos que esse plano era improvável.
A sala de degustação e os rapazes, ansiosos, a espera da nossa cota.
Saímos sóbrios, porém tontos de tanta informação. Ao lado, o barco da Ferreira.
Outra vista do Porto e um campo de futebol do famoso time do Candal. Vai saber....